Sobre escala 6X1 e a pergunta: Vai funcionar?
Ou da continuação do post: Sobre escala 6X1 (ou de uma visão pessoal)
No último post, escrevi sobre a minha relação pessoal com a escala 6X1 e como ela me afeta pessoalmente, mesmo nunca tendo trabalhado nessa escala.
Mas lendo as discussões na internet, vejo muita gente com dúvida se isso vai funcionar.
As dúvidas são pertinentes, pois temos um dos Congressos mais conservadores desde a ditadura militar, ou seja, pautas da esquerda nem sempre avançam.
Então, não é uma loucura pensar isso. Tem fundamento.
Mas a mobilização popular na pauta da escala 6X1 tem funcionado, apesar dos descrentes. A PEC, que começou só com 70 assinaturas, chegou na noite de 11 de novembro com 134 assinaturas, conforme conta a deputada federal Erika Hilton (PSOL), autora da PEC. Cresceu muito em pouco tempo porque muito eleitor foi cobrar nos perfis dos deputados nas redes sociais. Em cada perfil, a pergunta: “Você vai assinar a PEC?”.
Ainda faltam assinaturas. São necessárias 171 assinaturas para o projeto tramitar no Congresso, ou seja, para os deputados começarem a discutir o texto. A própria deputada postou um texto explicando sobre as principais críticas à medida.
Outra postagem foi sobre a explicação do porquê o texto tem a proposta de 4X3 e não de 5X2, como muitos falam. A primeira explicação é que os proponentes são de esquerda. Mas o que deixa nas entrelinhas é que a intenção é que o texto possa ser negociado. Se colocasse direto 5X2, era provável não ter como negociar. Colocando 4X3, a negociação aparece e será possível entrar em acordo para um 5X2, algo positivo para os trabalhadores e para os deputados, que podem dizer aos empresários que evitaram “um mal maior”.
E isso me lembra a Constituinte. Eu nasci em fevereiro de 1988, então não acompanhei de perto as discussões. Mas a eleição do Trump e a discussão sobre o que esquerda fará, me fez voltar no tempo. Minha curiosidade era: como um Congresso, com pessoas que estavam na ditadura, apoiou uma Constituição tão progressista?
Essa pergunta também foi motivada pela viralização de uma americana que se surpreendeu sobre o fato de que racismo é crime no Brasil. Nos Estados Unidos, é liberdade de expressão. Num Congresso como hoje, não imagino que essa Constituição passaria.
Mas passou em 1988. Assisti um bando de vídeos, reportagens e documentários para entender. Ainda estou assistindo, aliás. Mas resumo o que compreendi, por enquanto:
Um dos motivos para isso funcionar foi a própria ditadura militar que fechou o Congresso com o AI-5. Os deputados não tinham mais voz. Em 1987, de repente, a voz retornou e eles poderia refazer o país.
Junto a isso, diversos movimentos sociais se organizaram para conseguir combater a ditadura. O resultado é que na década de 80, esses movimentos estavam articulados e organizados, conseguindo discutir pautas com a população.
Outro fator foi o chamamento para a população. As emendas populares auxiliaram a população a se envolver. De repente, as demandas do povo seriam ouvidas. Os movimentos sociais organizados se aproveitaram e passaram a usar o recurso para defender as ideias.
Muitas coisas passaram. No caso das mulheres, a campanha feita pelo Conselho Nacional da Mulher foi importante para conseguir direitos que são conquistados até hoje, como a licença-maternidade e a licença-paternidade.
Mas não foi fácil aprovar isso. O texto original dizia que a licença-paternidade deveria ser de oito dias. No fim, aprovou apenas cinco dias. Adivinha qual era a justificativa de quem era contra a licença-maternidade e licença-paternidade: vai acabar com as empresas. Não acabou. E ainda aumentaram a licença-maternidade, que agora é de quatro a seis meses.
Esse pequeno documentário da FGV mostra como foi o processo de luta por direitos das mulheres deputadas que trabalharam na Constituinte:
O racismo só é crime na Constituição Brasileira porque o Movimento Negro, que se organizou por 10 anos antes da Constituinte, pressionou os deputados.
Essa reportagem do Estadão relembra como eram os bastidores com os movimentos sociais:
Essa reportagem da TV Brasil mostra como os indígenas conseguiram ser incluídos na Constituição depois de muita pressão. Os indígenas chegaram a ficar acampados por semanas para conseguir ter o direito, por exemplo, de entrar na Justiça e requerer seus direitos.
A própria Constituinte foi realizada após pressão, como conta José Sarney, ex-presidente do Brasil (com direito à fofoca de que Tancredo Neves não queria a Constituinte):
Então, sim. A pressão popular funciona. Talvez, não nos moldes que desejamos. A própria Constituição não conseguiu resolver tudo. A questão agrária foi perdida durante as discussões da Constituinte, mas outros direitos, que hoje são assegurados, foram garantidos com a mobilização de movimentos populares que se articularam e levaram pautas da população para o Congresso. Lá, pressionaram junto aos deputados para que essas demandas sejam discutidas.
Se os movimentos populares conseguiram essas conquistas no passado, imagina agora na internet? A mobilização feito pelo Rick Azevedo (PSOL), por meio do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), é um exemplo de como movimentos populares de trabalhadores podem se articular na internet e buscar atendimentos para suas pautas. Rick foi eleito pelo PSOL como vereador no Rio de Janeiro, mas a pauta já é defendida por ele antes de ser eleito. A eleição é consequência do envolvimento com a pauta.
Com a entrada da deputada Érika Hilton (PSOL) e a sua PEC, Rick conseguiu atingir ainda mais assinaturas para o seu abaixo-assinado virtual, onde explica a pauta. Somente na tarde de 12 de novembro, já eram 2,4 milhões de assinaturas (tive q atualizar o número de 2,3 milhões para 2,4 milhões durante a edição deste texto). Durante a manhã, o número era de 2,1 milhão.
A repercussão do assunto sendo discutido nas redes sociais, com a incorporação de opiniões que vão de Léo Picon a Luana Piovani, rendeu ao menos 300 mil assinaturas a mais. O número tende a crescer.
E isso é uma prova de que mobilização popular funciona. Vai ser aprovado? Não dá para saber. Mas dá para buscar se envolver com a assinatura no abaixo-assinado e na cobrança de deputados para assinarem a PEC.
Ao menos, o assunto será discutido entre a população e, principalmente, no Congresso Nacional.
Bônus
Há ainda outros documentários que assisti e indico aqui:
Da TV Justiça:
Também da TV Justiça:
Da OAB:
Bônus 3:
Continuei a minha lista de vídeos e documentários sobre a Constituição.
E agora atualizo algumas coisas:
Alguns constituintes mais velhos que falam como eram os bastidores:
Documentário da TV Senado:
(Mais oficial, mas ótimo para ver como os movimentos atuaram)
(Detalhe para a frase: “tinha prostituta, tinha menino de rua” - sejamos sinceros, isso é democracia, né?)
Documentário do Cleonildo Cruz, publicado pela Carta Capital:
(um dos poucos que aparece Lula, que foi um dos constituintes; ótimo para entender os embates dos bastidores)
E aí, PT assinou ou não a Constituição?
Depois de 30 anos, as mulheres que participaram da Constituinte se reuniram para falar como foi garantir direitos básicos como licença-maternidade e igualdade de direitos em 1988:
E, por fim, documentário muito bom sobre como a nova Constituição atingiu os brasileiros que nasceram no mesmo dia em que ela foi promulgada:
Talvez, vou atualizando. Tem mais sugestões? Deixe nos comentários.